A produção cultural se tornou uma possibilidade real no universo dos eventos graças aos inúmeros artistas criando e demandando um pensar sobre os bastidores, meios de produção e circulação de suas obras. Mas seriam os artistas os únicos a criarem?
Recentemente, um professor me perguntou se eu estava produzindo algo como artista ou se estava só trabalhando com produção. Sim, ele usou a palavra “só” como se fosse pouca coisa! Eu imagino que as pessoas tenham mesmo muita dificuldade de sair das gavetas que a sociedade e elas mesmas criam para a definição de organização ilusória de suas próprias vidas.
Funciona assim: em sua mesa encontra-se uma gaveta só para papéis, outra para canetas e outra para agendas. E não há chance de que na gaveta de canetas tenha um papel, ou que os papéis possam ir parar na gaveta de agendas. Mas comigo funciona um pouquinho diferente. Não vejo problema em misturar o conteúdo das gavetas, assim como não vejo problemas em nem sequer ter gavetas.
Na verdade, eu até gosto da mistura das coisas, das cores. Penso que carrega uma poética própria. O fato é que não consigo dissociar o meu trabalho como produtora do meu trabalho como artista. Então, essas gavetas separadinhas e de uma única cor não funcionam muito bem para mim.
Há muitas pessoas que pensam na produção cultural apenas como o exercício de escrever projetos, prestar contas e fim. Tudo muito operacional, quase mecânico. Olhando através desse prisma, parece um pouco monótono mesmo. Mas entre uma coisa e outra, há tanto chão! Enquanto artista, estou sempre imersa em um processo criativo. E, enquanto produtora, também!
Quer um exemplo? Quando você está organizando uma programação, se debruça para construir algo que faça sentido para outras pessoas. Cria um percurso, organiza trajetos que ajudam a aprimorar o olhar. Pensa como determinado espetáculo, show ou exposição pode dialogar com outro que ocorrerá no dia seguinte. Pensa em como criar um diálogo entre duas obras diferentes que serão exibidas no mesmo dia.
Fazer produção cultural, na verdade, significa se abrir para possibilidades de processos criativos sempre diferentes. É como uma escada, na qual se sobe um degrau por vez, ou a fila na porta do teatro em que esperamos, pacientemente, nossa vez de entregar o ingresso e entrar.
Falando em teatro, essa é a minha primeira formação e, para mim, tão empolgante quanto construir um personagem é construir um evento, um projeto, uma ação. Fico agitada e tenho insights no meio da madrugada, assim como bloqueios e ideias de soluções incríveis. Crio em minha cabeça, experimento no corpo e sinto na alma. Ou inverto todas essas lógicas.
Da mesma forma em que sonho com a personagem, devaneio com o projeto. Construir soluções com colegas de equipe me move do mesmo modo como ensaiar com artistas de cena. Ver o brilho nos olhos e o sorriso de uma pessoa que participou de um evento produzido por mim é tão satisfatório quanto assistir às reações do público durante um espetáculo.
Já sei… você deve estar pensando: “Aí está uma eterna apaixonada”. De fato, só sei fazer produção com paixão. Mas tem graça se for sem ela? Não é meio chato? Nem quente, nem frio, mas apenas morno? Eu não quero fazer uma produção cultural morna, assim como não quero fazer um espetáculo morno ou ter uma vida morna. Quero cores, quero risos, quero intensidade… nada de uma vida mais ou menos!
E falando em ideias e pensamentos diferentes, sabe o professor do começo da história? Bem… ele ainda vê as coisas dentro de suas gavetas. Mas talvez, só talvez, as gavetas tenham começado a ficar um pouquinho mais coloridas, e vez ou outra um pouquinho “bagunçadas”. Não só com a mistura de objetos, mas também com a mistura de possibilidades de experimentar a produção cultural de uma forma diferente.
Mas tudo bem também, porque o importante mesmo é que as mudanças levam o tempo necessário para fazer sentido. Mais ou menos parecido adivinhem com o quê? Com o processo de montagem de uma obra, o processo de produção de um evento e, claro, com o processo criativo!
Alguma dessas ideias faz sentido para vocês? Me conta aqui nos comentários se a sua forma de produzir eventos envolve algum tipo de processo criativo.
Artista, gestora/produtora cultural e mulher amazônida. Licenciada em Artes Cênicas, Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Graduanda em Produção Cultural. Atua como Técnica em Artes Cênicas no Sesc/RO, respondendo pela programação nas áreas de circo, dança e teatro. É Gestora da Semear Cultura e vem se dedicando a pensar ações formativas em produção cultural para artistas e grupos das artes da cena.